Destaques

Clique e Veja os acontecimentos da semana!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Rio Grande do Sul


HISTÓRIA
         

          A história do Rio Grande do Sul, o estado mais ao sul do Brasil, inicia-se com a chegada do homem à região, cerca de 11 mil anos atrás. Suas mudanças mais dramáticas, no entanto, ocorreram nos últimos cinco séculos, depois do descobrimento do Brasil. Esse percurso mais recente transcorreu em meio a diversos conflitos armados externos e internos, alguns de grande violência. Guilhermino César dizia, justificadamente, que essa história "é um dos capítulos mais recentes da história brasileira", pois quando no Nordeste já se cantavam missas polifônicas, este estado ainda era ocupado por um punhado de povoados e estâncias de gado portuguesas no centro-litoral, e o sul-sudeste era uma "terra de ninguém" onde frequentemente incursionavam tropas espanholas mandadas por Buenos Aires, defendendo os interesses da Coroa Espanhola, proprietária legal da área nessa época. Essencialmente, o Rio Grande do Sul, até o fim do século XVIII, era uma região virgem habitada por povos indígenas. Os únicos focos importantes de civilização e cultura européias em todo o território até esta altura eram um brilhante grupo de reduções jesuítas fundado no noroeste, destacando-se entre elas os Sete Povos das Missões. Entretanto, sendo de criação espanhola, até há pouco tempo as Missões eram vistas como sendo um capítulo à parte da história do estado, tanto mais por não terem deixado descendência cultural direta significativa. Em anos recentes, entretanto, vêm sendo assimiladas à historiografia integrada do estado.
        Na primeira metade do século XIX, após muitos conflitos e tratados, obtendo Portugal a posse definitiva das terras que hoje compõem o estado, expulsos os espanhóis, desmanteladas as reduções e massacrados ou dispersos os índios, se estabeleceu uma sociedade de matriz claramente portuguesa e uma economia baseada principalmente no charque e no trigo, iniciando um florescimento cultural nos maiores centros do litoral - Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande. Esse crescimento contou com a contribuição de muitos imigrantes alemães, que desbravaram novas áreas e criaram culturas regionais significativas e economias prósperas, bem como com a força de muitos braços escravos. Em 1835 iniciou um dramático conflito que envolveu os gaúchos numa guerra fratricida, a Revolução Farroupilha, de caráter separatista e republicano. Finda a guerra a sociedade pôde se reestruturar. No final do século o comércio se fortaleceu, chegaram imigrantes de outras origens como italianos e judeus, e na virada para o século XX o Rio Grande do Sul havia se tornado a terceira maior economia do Brasil, com uma indústria em ascensão e uma rica classe burguesa, mas ainda era um estado dividido por sérias rivalidades políticas, e houve mais crises sangrentas. Nessa época o Positivismo delineava o programa de governo, criando uma dinastia de políticos herdeiros de Júlio de Castilhos que governou até os anos 1960 e influiu em todo o Brasil, especialmente através de Getúlio Vargas, que em sua origem fora castilhista. No período da ditadura militar o Rio Grande do Sul enfrentou muitas dificuldades no que diz respeito à liberdade de expressão, como enfrentou todo o país, mas o crescimento econômico do Milagre Brasileiro propiciou investimentos na infraestrutura. No final do ciclo, porém, o estado havia acumulado enorme dívida pública. Nas últimas décadas o estado vem consolidando uma economia dinâmica e diversificada, ainda que bastante ligada ao setor agropecuário, e vem ganhando fama como tendo uma população politizada e educada. Ainda que existam muitos desafios a serem vencidos e grandes diferenças regionais, em geral melhorou sua qualidade de vida alcançando índices superiores à média nacional, projetou-se culturalmente em todo o Brasil e iniciou um processo de abertura para outros cenários em face da globalização, enquanto que passava a prestar mais atenção às suas raízes históricas, à sua diversidade interna, aos excluídos e minorias, e ao seu ambiente natural.
      O território que hoje constitui o Rio Grande do Sul já constava nos mapas portugueses, sob o nome de
Capitania d'El-Rei, desde o século XVI. A despeito do Tratado de Tordesilhas, que definia o fim das terras portuguesas na altura de Laguna, Portugal ansiava por estender seus domínios até a foz do Rio da Prata. No século XVII bandeirantes de São Paulo já percorriam a área em busca de tesouros e para escravizar os índios. Nesse espírito, ignorando os tratados, em 17 de julho de 1676, através de Carta Régia, Portugal delimitou duas capitanias no sul, que em conjunto se estendiam de Laguna até o Rio da Prata, doadas ao Visconde de Asseca e a João Correia de Sá. Em 22 de novembro de 1676 a bula papal Romani Pontificis Pastoralis Solicitudo veio fortalecer as pretensões portuguesas, pois ao criar o bispado do Rio de Janeiro, estabelecia como seus limites desde a costa e sertão da Capitania do Espírito Santo até o Rio da Prata. Logo em seguida a Coroa Portuguesa passou a cogitar seriamente a ocupação das terras do sul, legalmente espanholas.
          Uma primeira expedição de conquista, organizada em 1677, malogrou. Outra, de 1680, sob comando de Dom Manuel Lobo, conseguiu tocar o Prata em janeiro do ano seguinte, fundando a Colônia do Sacramento, com um presídio e os primeiros abrigos para os colonos. A Espanha, nesta altura fragilizada por guerras contra a França, apesar de atacar a Colônia, não esboçou uma reação mais séria à expansão portuguesa, e em 1681 estabeleceu-se o Tratado Provisional, delimitando novas fronteiras na região e reconhecendo a soberania portuguesa sobre a margem esquerda do Rio da Prata.
        Com o incentivo do estabelecimento deste posto avançado, os portugueses passaram a se interessar pela ocupação das terras intermediárias entre o Sacramento e a Capitania de São Vicente. Em 1737 uma expedição militar portuguesa, comandada pelo Brigadeiro José da Silva Pais, foi incumbida de prestar socorro à Colônia, tomar Montevidéu e levantar um forte em Maldonado. Fracassada esta última empresa, o Brigadeiro decidiu instalar uma povoação mais ao norte, livre das constantes disputas entre portugueses e espanhóis. Destarte, navegou até a barra da Lagoa dos Patos, erroneamente tomada como um rio, o Rio Grande, e ali chegando em 19 de fevereiro de 1737, fundou um presídio e ergueu o Forte Jesus, Maria e José, constituindo a origem da cidade do Rio Grande, primeiro centro de governo da região. O local era um ponto estratégico para a defesa do território, estando a meio caminho entre Laguna e a Colônia do Sacramento. As primeiras famílias colonizadoras chegariam ali ainda neste ano, mas o trecho entre Rio Grande e Tramandaí e os campos da região de Vacaria, na serra do nordeste, também estavam sendo povoados independentemente, situação facilitada pela extensão, pelos tropeiros, da Estrada Real que vinha de São Paulo até os Campos de Viamão, sendo que já em 1734 se contavam grandes estâncias de gado na área, se lançavam as sementes das primeiras urbanizações e os estancieiros começavam a solicitar a concessão de sesmarias. A partir de 1748 começaram a chegar ao estado famílias açorianas, enviadas pela Coroa Portuguesa, para colonizá-lo. Instalaram-se primeiro em Rio Grande, e depois outras se fixaram na região da futura Porto Alegre, então ainda um diminuto povoado erguido junto ao porto de Viamão. Partindo dali, outros grupos avançaram pelos vales dos rios Taquari e Jacuí.
         Entrementes, na parte noroeste do estado, os jesuítas espanhóis, ligados à Província Jesuítica do Paraguai, haviam estabelecido desde 1626 aldeamentos muito organizados reunindo grande população indígena (cerca de 40 mil pessoas), as reduções ou missões, fundadas próximo ao Rio Uruguai. Sete delas, mais recentes, ficariam sendo mais conhecidas como os Sete Povos das Missões, cujo extraordinário florescimento incluía refinadas expressões de arte nos moldes europeus. Os padres construíram uma civilização à parte dos conflitos que agitavam o litoral, e deixaram muitos registros sobre os povos indígenas, sobre a geografia, a fauna e a flora da região, mas sua contribuição mais direta para a história do estado se resumiu à introdução do gado e ao desenvolvimento de técnicas de pastoreio que mais tarde seriam assimiladas pelos portugueses.
         No século XVIII um novo acordo entre as coroas ibéricas, o Tratado de Madrid, haveria de mudar mais uma vez as fronteiras. Através deste tratado, firmado em 13 de janeiro de 1750, estabeleceu-se a permuta da Colônia do Sacramento pelos Sete Povos, cujas populações indígenas seriam transferidas para a área espanhola além do rio Uruguai. A demarcação das novas fronteiras e a mudança dos povos aldeados não transcorreram sem dificuldades. Os jesuítas e os índios protestaram, esperava-se confronto, e o Marquês de Pombal ordenou que o legado português, o capitão-general Gomes Freire de Andrade, não entregasse Sacramento sem que antes tivesse recebido os Sete Povos. A situação se agravou e o conflito esperado eclodiu em Rio Pardo, originando a chamada Guerra Guaranítica, que dizimaria grande número de índios e dissolveria as Missões, mas no episódio despontou a figura legendária do líder indígena Sepé Tiaraju, hoje considerado um herói do estado e um mártir da causa dos índios.
          Depois da Guerra Guaranítica, Portugal decidiu prestar mais atenção à capitania, que por esta altura contava com pouco mais de sete mil habitantes, distribuídos em cerca de 400 estâncias e poucos povoados e arraiais. Desvinculou-a de Santa Catarina e a ligou diretamente à sede carioca, nomeando um governador civil em vez de um comandante militar. Em 1760 o governador espanhol em Buenos Aires, Don Pedro de Cevallos, começou a intimar os portugueses a abandonarem todas as terras ocupadas ilegalmente. Diante da ausência de resposta, em 1763 atacou e conquistou Rio Grande, causando a fuga em massa dos populares e obrigando a mudança às pressas da capital portuguesa para Viamão. Agora o território português se resumia a uma estreita faixa entre o litoral e o vale do rio Jacuí. Em 1773 a capital foi transferida de Viamão para Porto Alegre, em vista de sua situação geográfica privilegiada. Em 1776 a vila de Rio Grande foi retomada. Um outro tratado, o de Santo Ildefonso, de 1777, mais uma vez retificaria as fronteiras e estabeleceria desta vez como posse espanhola tanto Sacramento como os Sete Povos. No final do século já existiam cerca de 500 estâncias em atividade.
          Com a paz de Santo Ildefonso se intensificou a concessão de sesmarias aos que se haviam destacado na guerra, e esta classe de militares, agora donos de terras, foi a origem da aristocracia pastoril gaúcha, consolidando o regime das estâncias como uma das bases econômicas da região, mas dando margem também a uma grande quantidade de abusos de poder, que tinham seu fundamento na realidade de um grupo que se experimentara a ferro e fogo, mas para quem o senso de justiça, lei e humanidade estava morto. Os próprios administradores régios davam péssimo exemplo, enriquecendo à custa da província e acumulando vastas extensões de terras. Cada grande sesmeiro era como um poderoso senhor feudal que só atendia aos seus interesses e os impunha pela força. Repetidas vezes as queixas chegaram à Coroa, mas sempre com pouco resultado. A vida na estância era precária em todos os sentidos. Somente os senhores podiam ter algum luxo numa casa grande, que mais se parecia a uma fortificação, com paredes grossas e grades nas janelas. Em torno dela se agrupavam a senzala e famílias livres, que vinham em busca de proteção e recebiam uma porção de terra em troca de um compromisso de fidelidade servil para com o proprietário, produzindo alimentos e bens manufaturados para seu sustento próprio mas sobretudo para o patrão. A habitação desses agregados era um sumário casebre de barro coberto de palha, despojado de todo conforto. Um relato de época, deixado por Felix Azara, descreve o ambiente:

"Possuem um barril para a água, uma guampa para o leite e um espeto para assar a carne. A mobília não vai além de umas três peças. As mulheres andam descalças, sujas e andrajosas. Seus filhos se criam vendo somente rios, desertos, homens vagos correndo atrás das feras e touros, matando-se friamente como se degolassem uma vaca".
          Mas esse cenário nem sempre foi assim tão desumano. Muitas estâncias produziam uma variedade considerável de produtos agrícolas e de uma indústria primitiva, tornando a propriedade autossuficiente e as condições gerais um pouco melhores. Havia momentos de entretenimento nos bolichos, pequenas casas de comércio, bebida e encontro social masculino de beira de estrada, e as festas religiosas na capela local congregavam toda a pequena comunidade e atraíam grupos de outras estâncias. Nesses encontros começou a se formar o folclore do Rio Grande do Sul, na contação de causos (relatos de façanhas e fatos extraordinários) em torno do fogo, nas carreiras de cavalos, na troca de experiências sobre a vida campeira, na absorção e transformação dos mitos indígenas locais.
          O empregado da estância foi, assim, um dos formadores da figura prototípica do gaúcho, uma figura que na verdade foi "construída" pela intelectualidade local no século XX, mas que hoje é a inspiradora de parte importante da cultura do estado e do seu senso de identidade. Outra parte do caráter total dessa entidade abstrata, uma parte que diz respeito à insubmissão e liberdade, foi emprestada do povo errante de homens sem lei, formado por índios evadidos das missões, contrabandistas, caçadores de couros, aventureiros, escravos e bandidos foragidos, que percorriam em predação os campos de gado livre. Diversos nomes se deram a essa população, entre eles faeneros, corambreros, índios vagos, gaudérios, guascas e gaúchos. Viviam em bandos por conta própria, comendo carne e bebendo mate e aguardente, vestidos de uma indumentária simples e adaptada à vida constante sobre um cavalo, enfrentando dias de intenso frio nos invernos, tendo de dormir via de regra a céu aberto. Eram sempre um perigo para os estancieiros, especialmente os mais pobres, e constantemente se envolviam em rusgas com os espanhóis na fronteira. Suas relações com os oficiais do reino eram ambíguas. Por um lado competiam na presa do gado solto, mas também podiam ser contratados para fazerem o mesmo serviço para um senhor ou prestar tarefas militares junto a um destacamento oficial. Em 1803 seu número chegava a quatro mil, numa população total de 30 mil habitantes.

          Até então o interesse dos colonizadores pelo gado se resumia ao couro, que era de grande importância na vida cotidiana da colônia. A carne era apenas para uso familiar, e todo o excedente era desprezado. Calcula-se que o rebanho livre tenha chegado a cerca de 48 milhões de reses e um milhão de cavalos. Depois de 1780 o gado livre começou a rarear, mas então se abriu um novo e amplo mercado para a carne que era descartada, iniciando a cultura das charqueadas, cujo produto seguia para o Nordeste a fim de alimentar os escravos dos engenhos de açúcar.

0 comentários:

Postar um comentário

 
Powered by Blogger